15 de setembro de 2009

Artigo - Grito de socorro

Num sábado, às onze da manhã, uma menina de dez anos de idade é trazida, em estado semicomatoso, à sala de emergência da pediatria do Hospital Municipai Souza Aguiar. Havia ingerido propositadamente medicamentos que atuam no sistema nervoso central. As doses eram letais até para um adulto. Imediatamente foi feita uma lavagem gástrica que retirou muitos fragmentos das drogas que ela tomara. Foi tratada e, no dia seguinte, felizmente, estava bem.

Quando fomos buscar as causas da tentativa de suicídio dessa estudante aparentemente equilibrada e de bom padrão socio-econômico, descobrimos que ela vinha suportando uma série de dificuldades na dinâmica familiar. A gota d'água foi uma violenta discussão com seu pai que, descontrolado, a agrediu fisicamente. A disponibilidade e o fácil acesso aos medicamentos antidepressivos e ansiolíticos que seus pais usavam habitualmente colaboraram para seu ato.

Este é apenas um exemplo dos casos de tentativa de suicídio de adolescente que chegam aos hospitais de emergência, sem contar os que são encaminhados para clínicas particulares e normalmente camuflados pelas famílias, não aparecendo nas estatísticas oficiais.

O suicídio poderia até ser considerado contagioso - transmitido pelo "suicidococus contagiosus", como metaforizou o psiquiatra Cassorla, para enfatizar a existência de períodos em que aumentam as taxas de suicídio e o perigoso aspecto imitativo.

Eu mesmo me lembro de um caso que me causou profunda impressão no Hospital Souza Aguiar. Era um garoto de nove anos, filho de um metalúrgico. Um dia, antes de sair para o colégio, foi tomar banho. A mãe, que estava no tanque, estranhou a demora do filho no chuveiro, e ouviu um baque, um ruído surdo. Chamou, ele não respondeu. Ela arrombou a porta e o encontrou pendurado pelo pescoço numa toalha. A mãe depois contou que ele copiara uma cena do filme A força do destino, em que um dos galãs se enforca no banheiro depois de uma desilusão amorosa. Esse filme, uma linda mas trágica história de amor, fez enorme sucesso entre os adolescentes à época. O garoto assistira ao filme na véspera, pela televisão.

Em setembro de 1986, autores americanos divulgaram dois trabalhos de pesquisa bem documentados e demonstrativos do aumento de suicídios e tentativas de suicídio em adolescentes durante os quinze dias que se seguiram à divulgação pela TV de filmes que tratavam da questão.

Nestes trabalhos, Philips e Carstensen estudaram a flutuação da taxa de suicídio entre jovens americanos depois da apresentação de notícias ou histórias sobre suicídio no período de 1973 a 1979 e concluíram que a taxa aumenta na razão direta da divulgação dessas matérias.

Outros dois pesquisadores, Gould e Schaffer, confirmaram essa tendência em estudos posterioresm entre 1984 e 1995, na grande Nova York. Eles também concluíram que muitas tentativas ocorreram entre jovens, por imitação.

Esse fenômeno já fora observado em 1774, quando Johan Wolfgang Goethe lançou o romance Os sofrimentos do jovem Werther. Na história, Werther se mata com um tiro na cabeça em razão de seu amor não correspondido por Charlotte. O binômio amor e morte provocou, à época, uma onda de suicídios entre jovens de toda a Europa. Por esse motivo, já foi sugerido até a designação de efeito Werther à influência da sugestão e da imitação na gênese do suicídio.

É importante lembrar o enfoque da mensagem transmitida aos jovens pelos adultos - especialmente pais, professores, médicos e seus ídolos que têm suas idéias veiculadas na imprensa. Quando eles buscam soluções mágicas para seus problemas, pelo uso de drogas - sedativos, ansiolíticos, antidepressivos, analgésicos, entre outros, sem falar no abuso de álcool e drogas -, estão servindo de modelos para posturas que possam ser assumidas pelos adolescentes.

A verdade é que o gesto suicida tem sempre por trás um desesperado grito de socorro para a família. É como se o garoto ou a garota gritasse:

- Olhem para mim! Não vêem como estou sofrendo? Será que preciso morrer para vocês me daram atenção?

Pais e pediatras devem perceber esse estado de espírito do jovem. E qual seu grau de gravidade. Medicamentos, sem acompanhamento, não resolvem a situação. E o diagnóstico do perigo passa realmente desapercebido por famílias menos atentas, uma vez que o adolescente alterna momentos de euforia com outros, de profunda tristeza.

O estado depressivo deve ser pesquisado em jovens que somatizam, apresentando asma, eczemas, diarréias, problemas gastrintestinais, por exemplo. A exteriorização da depressão é freqüente: os meninos agridem a sociedade, destroem o patrimônio público, fazem arruaças e promovem brigas com gangues, quando não chegam a atos de delinqüência, expondo-se o mais que podem. Essa atuação para fora, o action out, é manifestação de grande sofrimento interno. As meninas, comumente, se agridem e chegam a tentar o suicídio ingerindo medicamentos. Elas raramente passam da tentativa de suicídio, enquanto os meninos procuram meios mais violentos e se matam realmente.

Lauro Monteiro

Fonte: Observatóriodainfancia.com.br

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