15 de setembro de 2009

O que passa pela cabeça de um suicida?

O que passa pela cabeça?

Quando, no Souza Aguiar, me defrontei com a morte do menino enforcado aos nove anos, a primeira pergunta que me fiz foi:

- O que passou pela cabeça dele e que o levou a tirar sua própria vida?

Seu pai, arrasado, contava que ele era muito bom, "só um pouco intempestivo". Contou que o menino, certa vez, tinha colocado um chapéu feito de jornal da cabeça e tocou fogo, querendo ser o "homem-tocha", e que, em outra ocasião, tinha se machucado depois de pular do alto de uma árvore, querendo imitar o Tarzã. Pensei comigo:

- Talvez um pediatra pudesse ter evitado essa morte. Afinal o menino era impulsivo, sem noção do perigo, irrequieto - e esse é um quadro conhecido e passível de tratamento. Um pouco de atenção especializada e essa tragédia poderia não ter acontecido.

Outros casos semelhantes, que se sucediam no dia-a-dia do hospital, me levaram a mergulhar mais profundamente em estudos sobre suicídio e tentativa de suicídio entre jovens. Sentia que algo devia ser feito para esses adolescentes, pelo próprio pediatra, usando sua ligação antiga com o paciente, sua família e seu meio - e eu tinha perfeita consciência dessa realidade.

No trabalho que publicamos no Jornal da Pediatria, "Tentativas de suicídio em adolescentes", em 1985, a bibliografia enumerava 23 fontes, evidentemente, entre elas, os trabalhos dos meus mestres no tema, Prugh e Cassorla.

Há uma concordância entre os diversos autores: o assunto faz parte das responsabilidades do pediatra, que tem de se envolver com todas as situações de risco da criança, do adolescente e da família. Ele é o primeiro que pode tomar conhecimento do sofrimento, dos conflitos, que tem oportunidade de constatar mudanças no comportamento e tomar as providências necessárias para evitar uma situação trágica. Não pode menosprezar um gesto suicida, o primeiro grito, o pedido de ajuda. Precisa dar apoio ao adolescente e aos pais. Se for necessário, deve encaminhar o paciente para um tratamento psicológico sem com isso deixar de acompanhá-lo e a seu desenvolvimento, não apenas biológico, mas psicológico e social.

Por várias vezes, pude ajudar famílias, cujos filhos adolescentes demostravam claramente - pelo menos para mim - manifestações suicidas, traduzidas em dificuldades de relacionamento familiar, com o grupo, ou em evidentes minicrises depressivas; adolescentes que, por exemplo, sentam-se tristes e pensativos, no parapeito de uma janela, ou ingerem vários comprimidos aparentemente inofensivos, que se mostram continuamente instrospectivos, que evidenciam baixa auto-estima, dificuldades de relacionamento, sem sair de casa, que se colocam constantemente em situação de risco, como tantos adolescentes, ou aqueles que dizem que querem morrer. Todos estavam pedindo socorro. Felizmente, as famílias ouviram seus apelos.

Nessa linha, pude perceber como era freqüente filhos se queixarem constantemente de tristeza e os pais não perceberem a sinalização que estavam recebendo. Passei a alertá-los e, em pouco tempo, outros pais, de jovens que não eram meus pacientes, me procuravam para ouvir sobre seus problemas.

É importante para o médico destacar que muitos adolescentes, por falta de um adequado tratamento psicológico - ou mesmo psiquiátrico - precoce, poderão vir a se matar. O pediatra deve mostrar-se receptivo e informado, para que as famílias contem detalhes de seu cotidiano. O adolescente, por sua vez, precisa perceber a empatia de seu médico com ele, para poder conversar abertamente sobre suas angústias, suas ansiedades, suas expectativas. Quando for o caso, o pediatra recorre ao especialista, para um trabalho com o adolescentes sozinho, em grupo, ou, como me parece mais eficaz, com toda a família.

Esse trabalho fundamental teria evitado a situação descrita em uma revista americana, na qual, um pai irritado com a filha de doze anos que tentara suicídio ingerindo medicamentos aparentemente incapazes de levar à morte, quando ela voltou do hospital para casa perguntou por que, já que queria morrer, não dava um tiro na cabeça. Dias depois, em nova crise depressiva, a menina deu o tiro na cabeça e morreu.

Procuro sempre alertar, por textos em jornais, em entrevistas, símpósios e congressos que, destes jovens que agridem o que têm de mais querido, seu próprio corpo, não se pode dizer apenas que estão querendo chamar atenção. Devemos ficar atentos a esse pedido verdadeiramente dramático de socorro. Com dedicação e acompanhamento, podemos ajudá-los a superar seu desespero.

É uma responsabilidade de todos nós, que trabalhamos, educamos e convivemos com crianças e adolescentes.

Fonte: Observatoriodainfancia.com.br

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